Talvez Pollyanna tivesse razão

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ter, 13/09/2005

Você ainda a está carregando?

Muitos de nós nos lembramos da Pollyanna, a órfã que difundiu a mensagem do "contente" na novela escrita em 1913 por Eleanor Hodgman Porter e no filme do mesmo nome feito pela Walt Disney em 1960. Sua mensagem foi interpretada como ingênua e que foge da realidade na psicologia popular. Eu acho que ela significou algo incrivelmente importante.

Imagine uma tranquila paisagem campestre no Japão antigo... "Tanzan e Ekido estavam... viajando por uma estrada cheia de barro. Caía uma chuva forte. Ao fazer uma curva, eles encontraram uma atraente jovem vestindo um quimono de seda, incapaz de atravessar a estrada. 'Venha, jovem,' disse Tanzan. Erguendo-a em seus braços, ele a carregou pelo barro. Ekido nada falou até a noite quando chegaram a um alojamento num templo. Ele então não conseguiu se conter mais. 'Nós monges, não podemos chegar perto das mulheres,' disse ele para Tanzan, 'especialmente as jovens e atraentes. É perigoso. Por que você fez aquilo?' 'Eu deixei a jovem lá,' disse Tanzan. 'Você ainda a está carregando?'"

É uma linda história, mas também é muito mais do que apenas uma história. Ela demonstra a essência que separa o feliz do infeliz. A visão indefinida dessa antiga verdade resultou, tenta advertir um pesquisador, na psicologia da "perda do seu caminho."

O problema é:
meu passado está repleto das vezes em que fico me lembrando dos eventos infelizes!

O professor de psicologia Dr. Martin Seligman observa que as pessoas que estão frequentemente infelizes ou deprimidas estão carregando o passado com elas, exatamente dessa maneira, usando um 'estilo explicativo universal permanente' onde elas pensam nos seus problemas como permanentes e sempre presentes. Ele diz que isso é parte da estrutura do "pessimismo fixado na memória." A vida é cíclica e desafios acontecem, de vez em quando, para todos nós. Rejeição, desapontamento, perda e constrangimentos ocorrem em qualquer vida. Quando acontecem, uma pessoa com o estilo de pensamento "pessimismo fixado na memória" irá carregar consigo esses problemas por toda parte até que fiquem deprimidas. Aquelas que têm "otimismo fixado na memória" irão deixar os problemas para trás e continuar com a sua jornada. Em um dos estudos do Dr. Seligman, ele acompanhou um grupo de 400 estudantes durante vários anos. Aqueles que já tinham um estilo pessimista foram os que, quando aconteceu um evento como um divórcio, estavam mais propensos a ficarem deprimidos. O próprio divórcio (isto é, um evento da vida) não causa essa depressão, e aqueles com um estilo otimista se recuperaram rapidamente de tais eventos. O que causou a depressão foi a combinação de eventos dolorosos da vida mais o estilo do pensamento. Como tais eventos acontecem de vez em quando, parece que a pessoa tem um problema cíclico de humor. Na verdade, não é a depressão que é cíclica, é a vida. Acreditar na "natureza cíclica da depressão" é parte do estilo explicativo universal permanente de certos psicoterapeutas, diz Michael Yapko, ele mesmo psiquiatra e psicoterapeuta.

A propósito, a última frase não é só um gracejo. Os próprios psicoterapeutas têm uma alta incidência de depressão. "Psiquiatras podem entrar numa depressão sem perceberem," explica Michael Myers, M.D., Presidente da Associação Canadense de Psiquiatria e autor do vídeo tape "Médicos vivendo com a depressão."

Yapko sugere que a "orientação temporal passada" (pensar tudo com relação ao passado) é a chave para entender a depressão. A pessoa deprimida fica presa rememorando o seu passado. Elas pensam no seu presente e no futuro em termos deste passado ("Eu sei porque sou infeliz; é porque nunca me restabeleci da morte da minha mãe," "O meu futuro está arruinado porque vou padecer sempre da vergonha que senti pelo abuso sexual"). Yapko enfatiza que os psicoterapeutas que apoiam a orientação temporal passada ficam atraídos pela pessoa deprimida, que está convencida de que tudo o que ela precisa fazer para se "curar" é pensar no passado. Na verdade, tais processos simplesmente as encorajam a fazer mais do que já estão fazendo.

Num recente trabalho resumindo duas décadas de pesquisa sobre os efeitos do nosso passado, Martin Seligman diz,

"Eu acho que os eventos da infância têm o seu valor exagerado. Tornou-se difícil descobrir mesmo pequenos efeitos dos eventos da infância na personalidade do adulto, e não existe evidência - para não dizer nada determinado - em qualquer caso de grandes efeitos... Por exemplo, se a sua mãe morreu antes dos seus onze anos, você estará, de alguma maneira, mais deprimido na idade adulta - mas não muito mais deprimido, e somente se você for mulher, e somente na metade dos estudados.... Isso significa que a nota promissória que Freud e seus seguidores emitiram, afirmando que os eventos da infância determinam o curso da vida dos adultos, não tem valor. Eu saliento tudo isso porque acredito que muitos dos meus leitores estão angustiados, indevidamente, com o seu passado, e indevidamente passivos com o seu futuro, porque acreditam que os eventos adversos nas suas histórias pessoais os mantém presos. Essa postura é também a infraestrutura filosófica que está por trás da vitimologia que assolou a América..." (2002).

De um modo geral isso significa, então, que as pessoas que estão infelizes ou deprimidas estão confundindo processo com conteúdo quando atribuem suas tristezas a específicos eventos passados que elas viveram. O processo do pensamento sobre eventos passados é o que torna de fato a pessoa infeliz. Mas o conteúdo de eventos específicos é quase irrelevante. Se aqueles eventos particulares não tivessem acontecido, o processo do pensamento sobre os piores eventos do passado ainda seria possível e ainda poderia dar a elas alguns resultados tristes. A pessoa feliz diz para a pessoa triste exatamente o que Tanzan disse para Ekido: "Eu deixei a jovem lá. Você ainda a está carregando?"

Se eu não tivesse pensado em todos aqueles pensamentos contrafactuais!

Em 2000, Dr. Denise Beike e Deirdre Slavik da Universidade de Arkansas conduziram um interessante estudo do que eles chamaram de pensamentos "contrafactuais." (veja nota abaixo) Pensamentos contrafactuais são os pensamentos sobre o que saiu "errado," simultaneamente com o que poderia ter sido feito de outro modo. Dr. Beike recrutou dois grupos de estudantes da Universidade de Arkansas para registrarem seus pensamentos num diário a fim de "observarem quando os pensamentos contrafactuais ocorriam no dia-a-dia das pessoas." No primeiro grupo, os estudantes registraram seus pensamentos contrafactuais, seu ânimo e a sua motivação para mudarem seu comportamento como resultado dos seus pensamentos. Após registrarem dois pensamentos por dia durante 14 dias, os estudantes relataram que os seus pensamentos negativos deprimiam o seu ânimo, mas aumentavam a motivação para mudar o seu comportamento. Eles acreditavam que os pensamentos negativos eram dolorosos mas os ajudariam no longo prazo.

Depois, para provar essa expectativa, os pesquisadores recrutaram outro grupo de estudantes que deviam manter diários similares por 21 dias, para determinar se qualquer mudança real no comportamento resultaria do pensamento contrafactual. Três semanas depois de completarem os seus diários, solicitaram que os estudantes revisassem seus dados nos diários e indicarem se realmente os seus pensamentos contrafactuais causaram alguma mudança no comportamento. "Não foi mencionada nenhuma mudança autoobservada no comportamento," disse Dr. Beike. Os pensamentos contrafactuais sobre os eventos negativos da vida diária é motivo para sentirmos que "devíamos ter feito mais ou melhor," disse Dr. Beike. "Esses pensamentos nos fazem sentir mal, o que nos motiva a não fazer nada e sentir pena de nós mesmos." Então o que influi? O estudo descobriu que os "pensamentos considerados como trazendo mérito," nos quais os indivíduos refletem sobre o seu sucesso e se congratulam, servem para reforçar o comportamento apropriado e ajuda as pessoas a se "sentirem mais no controle delas mesmas e das suas situações."

Naturalmente, falar sobre considerar o mérito deles é somente um exemplo de como prestar atenção nas coisas com as quais você está satisfeito. Em um estudo sobre perdas (principalmente por morte), pesquisadores pediram que mulheres recém viúvas falassem sobre seus maridos falecidos. Algumas contaram histórias alegres, e outras histórias tristes. Muitas riam enquanto falavam sobre seus antigos parceiros, mas só algumas choraram. Todas tinham passado por um evento potencialmente traumático, mas elas prestavam atenção para memórias completamente diferentes. Dois anos e meio depois, as mulheres que tinham contado histórias alegres e que tinham rido, estavam mais integradas com o trabalho e namorando de novo. Se você quer se lembrar do passado, o que você vai escolher pode lhe ajudar.

É muito fácil ficar triste, isso me faz chorar!

Muitas vezes a próxima etapa na série dos desafios para uma vida infeliz é ter um "bom choro." Pessoas que estão infelizes são, com frequência, habilidosas em chorar. Aqui de novo, como com os pensamentos contrafactuais, a crença das pessoas sobre o que funciona, desmente cada momento as suas próprias experiências. William Frey teve uma grande e variada população de adultos que manteve um diário por 30 dias e observou os efeitos de qualquer choro. A maioria das mulheres e dos homens relataram uma diminuição das emoções negativas como resultado do choro. Eles acreditavam que chorar poderia ajudá-los a se sentirem melhor. Entretanto, há uma boa razão para sermos cautelosos sobre esses autorrelatos. Todos os estudos que monitoram pessoas durante o tempo real do choro, descobre um efeito oposto. A forma mais popular de estudo usa um estímulo para o choro igual ao que muitas pessoas usaram no projeto de Frey: assistir a filmes tristes. Quando nós monitoramos as pessoas no momento em que assistem os filmes, tais filmes certamente provocam lágrimas, e muitas vezes reestimulam a tristeza em relação a eventos similares da experiência anterior do espectador.

Mas no relato existe mais. Quando as pessoas são monitoradas assistindo um filme, os resultados fisiológicos e emocionais são muito mais negativos para aqueles que choram do que para aqueles que não choraram. O choro é associado com aumento nos batimentos cardíacos, outras medidas de alerta como aumento na temperatura e tensão corporal, bem como aumentos nos sentimentos da depressão, frustração, raiva e dor. Além disso, também é associado com a diminuição da imunoglobina A na saliva, isto é, ele reduz a imunidade. Esses efeitos desagradáveis continuam depois do evento. Susan Labott pesquisou o choro entre estudantes universitários e descobriu que apesar deles pensaram que chorar ajudava, aqueles que choraram mais vezes eram mais propensos a relatar altos níveis de transtornos no humor, tal como ansiedade, depressão, raiva, fadiga e confusão.

E agora o que é que eu queria?

Martin Seligman (talvez o mais notável pesquisador da depressão no mundo) e Mihaly Csikszentmihalyi (talvez o mais notável pesquisador da alegria no mundo) trabalharam juntos durante os últimos dois anos para criar o que eles chamaram de "psicologia positiva." Essa é uma psicologia criada em torno da fartura de informações que nós temos hoje sobre o que faz as pessoas ficarem alegres. Um movimento similar, o caminho focado na solução, desenvolveu-se a partir do trabalho de Milton Erickson e Gregory Bateson, como a PNL também fez. Começando como um modelo de terapia, o caminho focado na solução tem expandido, como a PNL, a sua área de aplicação para incluir as empresas, a educação e outras.

Deste campo crescente, nós aprendemos que existem certas atividades que as pessoas realizam, onde elas têm o verdadeiro sentido da alegria. Seligman explica: "Apesar das imensas diferenças nas próprias atividades - da meditação coreana a membros de gangues de motociclistas, de jogadores de xadrez a escultores, de trabalhadores das linhas de montagem a bailarinas - todos eles descrevem os componentes psicológicos da alegria de maneira notavelmente semelhante. Esses são os componentes:

  • A tarefa é desafiante e exige habilidades.
  • Nós nos concentramos.
  • Existem objetivos claros.
  • Nós conseguimos feedback imediato.
  • Nós temos um envolvimento profundo, sem esforço.
  • Existe uma sensação de controle.
  • Desaparece o nosso sentido do eu.
  • O tempo para.

"Observe uma ausência notável: não existe nenhuma emoção positiva na lista dos componentes essenciais... De fato, é a ausência de emoção, em qualquer tipo de consciência, que está no núcleo do fluxo." Na pesquisa, quando as pessoas tentam alcançar a alegria via prazeres não desafiantes, que imaginamos irá nos levar a ela, é que elas realmente ficam deprimidas. Taxas elevadas de depressão ocorrem mesmo quando as pessoas estão assistindo televisão, por exemplo, e isto é verdadeiro também para os adolescentes.

As soluções focadas na ação indicam, que mesmo a solução de muitos problemas, sairá melhor quando as pessoas estiverem mais positivamente focadas. Médicos experimentando emoções positivas resolvem melhor os problemas e fazem melhores diagnósticos. William Miller fez um resumo da pesquisa a respeito da psicoterapia bem sucedida, na qual ele identifica que encorajar o cliente a se focar no seu próprio objetivo na terapia, aumenta significativamente o seu compromisso com a terapia e melhora os resultados. Como principal método para fazer terapia, Miller encoraja os clientes a responderem perguntas focadas na solução tais como:

  • "O que será diferente como resultado da sua conversa comigo?"
  • "O que precisa acontecer para você sentir que este problema foi resolvido?"
  • "Quando esse problema for resolvido, o que você estará fazendo e sentindo em relação ao que você costumava fazer e sentir?"
  • "Como você pensa que essa sessão irá ajudá-lo a progredir em direção aos seus objetivos?"
  • "O que fez você decidir que agora é uma boa hora para fazer algumas mudanças?"
  • "Se outra pessoa o enviou aqui, o que você precisa fazer de diferente para que ela perceba que você não precisa voltar?"
  • "Quando foi que você notou que esse problema não era realmente tão ruim?' 'O que estava acontecendo naquela hora? O que você estava fazendo de diferente?"
  • "Como você conseguiu permanecer com tantos recursos enquanto enfrentava todos esses desafios?"
  • "Suponha que numa noite, enquanto dormia, ocorreu um milagre, e esse problema foi resolvido. Como você estava dormindo, não sabe que o milagre ocorreu e que o seu problema está resolvido. O que você acredita que irá perceber de diferente e daí saber que o problema está resolvido?"
  • "Numa escala de 1 a 10, onde 10 significa que isso está totalmente resolvido, onde está você agora? .. e o que você irá fazer de diferente para melhorar ...?

No conteúdo!

Não é sempre inteligente ser positivo. E aqui é onde a psicologia positiva se separa da companhia da Pollyanna. Seligman explica, "Embora existam muitos estudos que correlacionam resultados positivos com uma posterior saúde, longevidade, sociabilidade e sucesso, o equilíbrio da evidência sugere que em algumas situações, o pensamento negativo conduz para mais precisão. Onde a precisão é ligada a resultados potencialmente catastróficos (por exemplo, quando um piloto decide remover o gelo nas asas do avião), todos nós devíamos ser pessimistas. Existem algumas situações, então, onde ser "negativo" é uma exigência do trabalho. Seligman sugere que isto explica porque os advogados, que são muito bem pagos, têm, entretanto, uma taxa de depressão, e outras situações psiquiátricas, muito mais elevada do que a normal. Ele enfatiza a importância de manter essas habilidades "negativas" cuidadosamente contextualizadas.

O exemplo dos advogados nos lembra que pela maneira com que as pessoas falam e reagem aos eventos do mundo exterior é ligada normalmente à maneira que elas falam com elas mesmas e reagem aos eventos internos. A boa noticia é que, quando as pessoas aprenderem a usar o caminho da solução focada e positiva no seu trabalho, este caminho irá fornecer benefícios para a felicidade delas.

Global

A infelicidade mais comum deve-se ao fato de carregarmos memórias passadas que nos fariam sentir melhores se deixadas para trás. Pensamentos sobre o que saiu errado, apesar de serem bem intencionados, têm pouco efeito nos nossos resultados futuros e uma porção de efeitos negativos nos nossos atuais sentimentos. Quando eles nos induzem a chorar, é particularmente grave o estresse na nossa saúde a longo prazo. Por outro lado, lembrar os tempos agradáveis do passado ajuda as pessoas a se moverem em direção a um futuro agradável. Além disso, o foco no que estamos fazendo agora, e no que nós queremos atingir, ajuda a criar o futuro que queremos, e desfrutar desse momento. De fato, quando as pessoas estão felizes, elas tendem a fazer alguma coisa focada na solução e, por essa razão, elaborando que as memórias do passado são irrelevantes.

Finalmente, a pesquisa de Csikszentmihalyi mostra que as pessoas ficam mais alegres quando estão lendo do que quando estão assistindo televisão ou apenas deitadas ... então se você leu isso até aqui, você elevou positivamente o seu ânimo e o seu sistema imunológico. Vale a pena comemorar, não é!

Nota da tradução: Contrafactual - uma definição possível e mais complexa seria descrever contrafactual como o estudo de resultados alternativos para determinados eventos. Por exemplo, para entender o significado desse conceito na história contrafactual seria: o que teria acontecido se Jesus não tivesse sido crucificado, se os aliados não tivessem vencido a Segunda Guerra Mundial, etc.?

Artigo publicado na revista Anchor Point Vol. 18 Nº3

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