CAPÍTULO III

ESTUDO DE CASO

SISTEMA DE MODELAGEM E PLANEJAMENTO DE CORTE ASSISTIDO POR COMPUTADOR

3.1. Introdução

A realização de um estudo de caso é a maneira mais concreta de observar um processo de inovação tecnológica, com a garantia de identificar o elenco de variáveis tecnológicas, econômicas, sociais e políticas envolvidas e acompanhar o processo decisório, bem como a atuação de seus principais atores.

A seleção de um processo de inovação para estudo, obedeceu os seguintes requisitos:

- Perfeita identificação da inovação tecnológica: ilha delimitada;

- Permitir observar um processo de inovação tecnológica em um ponto chave dentro de uma indústria têxtil, ou seja em uma atividade determinante na competitividade da empresa;

- Garantia de acompanhamento e avaliação do processo decisório;

- Identificação e estudo detalhado de papéis desempenhados por executivos e técnicos envolvidos com o processo de inovação.

Os critérios estabelecidos para o estudo de caso conduziu à seleção de uma empresa de grande porte e a um projeto de inovação de alta densidade tecnológica.

3.2. Perfil da Empresa Anfitriã

A indústria, alvo deste estudo, produz cerca de 10.000.000 de peças de artigos destinados ao vestuário, por mês.

Instalada a mais de 100 anos, em Blumenau - Santa Catarina, conta atualmente com fábricas satélites em municípios vizinhos, onde possui filiais de confecção.

No Nordeste do país, onde instalou-se na década de 70, possui duas grandes unidades, uma delas com fiação e malharia, sendo que a outra beneficia e confecciona artigos de malha.

A empresa exporta 20% de sua produção, estabelecendo relações comerciais com os mais variados mercados, tanto do hemisfério norte, como com a América Latina. Recentemente instalou uma fábrica num dos países da Comunidade Européia.

Mais de 20.000 pessoas, espalhadas pelo Brasil e exterior, criam, produzem, comercializam e distribuem artigos agrupados em diferentes etiquetas.

Com produto sazonal, sujeito às dinâmicas flutuações da moda, o contínuo esforço de ofertar à sua clientela produtos de qualidade, dentro de uma filosofia de "Quick Response", é constantemente apoiado pela assimilação seletiva da mais atualizada tecnologia.

O esforço de modernização do parque fabril através de novas tecnologias de produto e processo, é coordenado por um Departamento de Automação Industrial, formalmente instalado há cinco anos e responsável pela elaboração e implantação de um projeto "CIM", na empresa.

Por tratar-se, a automação industrial, de uma atividade de interface, o Departamento de A.I. está vinculado à Área de Planejamento e Informática, mas sua atuação é comandada por um Comitê de Automação Industrial, formado por Diretores e Gerentes das Áreas Industrial e de Informática, possuindo como convidados, técnicos diretamente ligados aos projetos em andamento.

O Comitê de A.I. determina os projetos a serem executados, bem como sua prioridade, orientando a condução do "CIM".

3.3. Identificação da Ilha de Inovação

No contexto do CIM , uma das áreas contempladas com inovação tecnológica foi a de "Planejamento da Talharia", com um projeto de importação das tecnologias de computação gráfica.

A talharia é uma seção que promove uma transformação fundamental do produto semi-elaborado, quer na sua produção, quer em seu controle.

Recebe como insumo lotes de malha (kg) de um único "fornecedor": o beneficiamento. Abastece a seguir várias unidades de confecção, distantes geograficamente, com produtos semi-elaborados: peças de camisetas. Esta peças devem respeitar rigorosamente as especificações técnicas de Engenharia de Produto e atender às grades de composição dos pedidos colocados pela clientela.

Trata-se de uma atividade que promove a integração entre a Engenharia e a Produção, cujo planejamento da produção tem como balizador os volumes de Vendas.

A seção de "Planejamento da Talharia" é uma área intermediária entre "Engenharia de Produto" e a "Produção".

Utiliza o Banco de Modelos gerado pela Modelagem, para estudar a melhor forma de cortar os tecidos, segundo as ordens de produção de talharia, emitidas pelo "PCP".

3.4. Caracterização da Nova Tecnologia

Em várias aplicações nas atividades industriais, comerciais e de pesquisa, dentre outras, a participação do computador tem crescido intensamente. Nestes últimos anos ele tem-se mostrado um recurso bastante potente e versátil no projeto de produtos e processos (CAE, CAD, CAM, ...).

3.3.1. Características de um sistema CAD:

O conceito CAD (Computer Aided Desing) abrange qualquer atividade que usa o computador para desenvolver, analisar ou modificar o projeto de um produto ou processo.

Os sistemas atuais de CAD baseiam-se em computação gráfica interativa ICG (Interactive Computer Grafics), através da qual o sistema se comunica com o usuário. Os sistemas gráficos interativos, são sistemas orientados para usuários, nos quais o computador é empregado para criar, transformar e mostrar dados na forma de figuras e símbolos.

O operador (ou usuário) de um sistema gráfico de projetos é normalmente o próprio projetista, quem comunica dados e comandos para o computador através de dispositivos de entrada adequados.

O computador comunica-se com o usuário através de tela de vídeo gráfico (CRT - Catode Ray Tube). O computador cria uma imagem na tela do vídeo, usando rotinas de comandos gráficos.

Um sistema ICG típico é uma combinação de "hardware" e "software", que apresenta em sua arquitetura os seguintes recursos:

- Computador (CPU) com unidade para processamento de imagem;

- Periféricos de saída para suporte gráfico, ou seja, vídeos gráficos de alta resolução, impressoras térmicas, traçadores gráficos;

- Periféricos de entrada tais como câmera, teclado, caneta ótica, mesa digitalizadora e "scanner";

O "software" consiste de programas necessários para implementar o processamento gráfico no sistema. Inclui também programas de aplicações especializados, para realizar funções inerentes à aplicação do usuário.

3.3.2. Uso de CAD na Indústria da Confecção

No desenvolvimento de produtos para o vestuário, algumas etapas são percorridas antes de dar início à produção do artigo, a saber:

(a) Planejamento da Coleção:

Tudo tem início com a atividade de gerência do produto, que identifica no mercado as oportunidades de lançamento (ou relançamento) de produtos, que são agrupados em coleções. Para cada estação do ano pode ser lançada uma nova coleção: inverno, primavera/verão, verão e alto verão. Cada coleção tem um conjunto de produtos que compõe suas diferentes linhas.

O perfil da coleção: número de produtos e composição das grades de tamanhos, é definido pelo gerente de produto, em conjunto com o pessoal de marketing, usando informações do histórico das vendas.

(b) Projeto da Coleção:

Cabe ao estilista o projeto (desing) da coleção, agregando modelos, padrões e cores aos produtos. Nesta fase são gerados os "desenhos" dos produtos com algumas de suas características básicas: tipo de tecido, cores, estampas e aviamentos.

Dá-se início à prototipia, onde uma peça básica é confeccionada. Determina-se a modelagem e características técnicas, tipo de costura, por exemplo.

Equipamentos de processamento de imagem ou mesmo um sistema CAD, é ferramenta muito útil ao estilista, por ser um instrumento que não inibe o processo criativo, até o auxilia, além de poupar tempo e materiais na fase de prototipia.

(c) Detalhamento Técnico da Coleção:

Uma vez a coleção definida e aprovada pelo gerente de produto, ela é transladada para a fábrica, através da engenharia de produto, passando por estudos e detalhamentos que ajustam e preparam-na para a produção seriada.

Dentro da engenharia de produto efetua-se a modelagem básica e é criada a grade de tamanhos, para cada uma das partes componentes de cada modelo. Ocorre a formação de uma biblioteca de modelos, dentro das grades de tamanhos.

Nesta fase a aplicação de CAD (normalmente CAD 2D) é extremamente útil, pois organiza o trabalho, provendo às bibliotecas da segurança devida. Um sistema CAD, operando nesta fase, pode ser interfaceado com módulos de cadastro técnico (composição, tempos, métodos e rotas de produção), normalmente residentes e "main frames".

Concluída a fase de detalhamento de projeto do produto, que ocorre na engenharia de produto, os artigos são colocados em produção, que geralmente é antecipada pelo treinamento operacional. Na fase de treinamento operacional produz-se uma pré-série denominada mostruário.

(d) Programação da Produção:

Novamente surge espaço para um sistema CAD, agora no suporte à programação do corte de tecido, para a confecção de artigos. Acessando as bibliotecas de modelos, e os arquivos de ordens de produção, um sistema CAD, efetua o estudo de encaixe ótimo e traça o desenho para a talharia. Um sistema CAM pode, opcionalmente, efetuar o corte do tecido, buscando informações na configuração CAD.

O computador assistindo a programação do corte, a partir de dados gerados por uma instalação CAD, garante a acuracidade requerida por ambientes de planejamento e produção MRP II.

3.3.3. Configuração CAD Ideal:

Para atender todas as necessidades de processamento de imagem e CAD, a empresa deveria adquirir:

. Configurações de processamento de imagem capaz de atender todas demandas por parte do estilismo,

. Uma configuração CAD 2D que atenda às necessidades de modelagem e formação das grades de tamanhos, bem como a criação e manutenção das bibliotecas de modelos,

. Para o planejamento de corte de tecido, é necessária uma configuração de CAD 2D, capaz de suportar toda a produção da talharia,

Todos estes módulos tem que se comunicar, bem como estarem interligados aos demais sistemas de informações já implantados em "Main Frame".

Esta é a configuração ideal, que foi detalhada, para a posterior pesquisa de soluções, junto ao mercado fornecedor.

3.5. Processo Decisório

Uma vez reconhecida a aplicação e a tecnologia a ser assimilada partiu-se para o estudo do processo decisório da aquisição da configuração adequada.

Se observado segundo o Modelo de Mintzberg, o processo decisório desta inovação tecnológica pode ser assim descrito:

FASE 1: Identificação

(a) Reconhecimento

Nesta primeira fase foi efetuado um estudo qualitativo da situação atual, de operação dos departamentos de produto e engenharia de produto.

Antes da utilização de recursos de computação gráfica, os moldes preparados na Modelagem eram de papel, que geravam para cada um dos produtos, um conjunto de moldes em papelão. Cada conjunto continha todas as partes de molde, de cada um dos tamanhos do produto.

A "biblioteca de moldes", anexa à seção de Planejamento da Talharia, possuía cerca de 50 toneladas de papelão, exigindo uma área de 250 m2, para seu condicionamento.

A partir destes eram preparados moldes miniaturizados, com o apoio de texografia. As miniaturas destinavam-se ao estudo do corte dos tecidos, para cada uma das ordens de produção, obedecendo os limites aceitáveis de aproveitamento de matéria-prima.

A partir dos desenhos em miniatura, preparavam-se os "riscos" em escala 1:1 , empregando os moldes em papelão.

Os riscos acompanhavam as ordens de produção e os lotes de malha enviados à Talharia, para a operação de corte.

Seguiam-se algumas etapas de controle, para avaliar o trabalho da Seção de Planejamento da Talharia, controlando-se não apenas o peso dos resíduos, mas também erros em quantidades de peças, que podiam ocorrer.

(b) Diagnóstico

O processo decisório da compra da nova tecnologia que ocorreu no nível estratégico da empresa, teve seu estímulo em uma "oportunidade" de inovação tecnológica, pelas crescentes ofertas do mercado.

Pode-se classificar este processo decisório, quanto a solução, como originária do meio externo, mas fortemente suportado por uma necessidade interna de superar restrições de operação e controle impostas pelo regime artesanal de operação da talharia e das interfaces com as confecções e o departamento de engenharia de produto.

Na empresa, durante o processo decisório foi composto um comitê, onde participaram diretores e gerentes, diretamente envolvidos com a aplicação. O comitê se assessorou por um engenheiro, que efetuava rotinas de apoio.

Nesta fase de diagnóstico, o comitê solicitou levantamento de dados, relativos aos volumes de produção dos departamentos de produto, engenharia de produto e talharia, para permitir uma análise quantitativa.

Um documento composto de duas pastas foi gerado, contendo os diagnósticos "qualitativo" e "quantitativo" da aplicação.

Ainda dentro de etapa de diagnóstico, o comitê listou um conjunto de premissas que orientariam a aquisição da nova tecnologia.

Todo projeto de inovação tecnológica, desta empresa deve atender pelo menos um dos seguintes critérios básicos:

- Aumento da flexibilidade do processo produtivo,

- Garantia de níveis crescentes de qualidade do produto acabado,

- Contínua redução dos custos de produção,

- Aumento dos níveis de aproveitamento de materiais, mão de obra e equipamentos,

- Melhoria das condições de trabalho e aperfeiçoamento do trabalhador.

FASE 2: Desenvolvimento

(a) Pesquisa

A pesquisa de soluções, que atendessem à configuração ideal, junto ao mercado brasileiro foi efetuada pela assessoria do comitê de decisão, com base em uma lista de fornecedores, obtida junto a SEI (Secretaria Especial de Informática). Vinte e três fornecedores nacionais foram consultados. A consulta baseou-se nos documentos elaborados na fase de identificação.

Este processo de pesquisa de soluções demandou bastante tempo. Muitos fornecedores solicitavam explicações mais detalhadas, quando recebiam a consulta, através de um documento preparado pelo assessor, contendo dados da aplicação. Alguns fornecedores visitaram as instalações da empresa, para se familiarizarem com a aplicação.

FASE 3: Seleção

(a) Pré-seleção

Após receber resposta de todos os fornecedores, o assessor reuniu em um documento as informações coletadas, encaminhado-o para o comitê de decisão.

Nenhuma empresa nacional candidatou-se a fornecer as configurações solicitadas, pois o volume das demandas, em termos de "hardware" e "software" ultrapassavam a capacidade das mesmas.

O comitê, de posse deste relatório fez uma Pré-seleção, optando pela busca no mercado externo de uma solução reduzida. Adquirir apenas uma configuração para CAD 2D, para atendimento à modelagem e à programação do corte.

Pela consulta feita junto ao mercado nacional, o comitê pode avaliar previamente o volume de investimentos requerido para processamento de imagem e CAD 2d. Julgou, ainda, mais prudente a introdução parcelada destas novas tecnologias.

A etapa de pré-seleção, dentro da fase de desenvolvimento, apresentou características muito próprias, pois envolvia um terceiro elemento, além do fornecedor e da empresa solicitante, havia a participação da SEI.

Por se tratar de um bem de informática, existia uma restrição legal a ser respeitada: a reserva de mercado de bens de informática. A empresa só poderia dar início as suas pesquisas no exterior (percorrendo novamente o "loop" da fase de desenvolvimento, proposta por Mintzberg), após provar a inexistência de uma configuração similar nacional.

Somente após submeter à avaliação dos técnicos da SEI, o documento gerado durante as consultas aos fornecedores nacionais, e obter o "Certificado de Anuência Prévia", o comitê pode dar início a suas pesquisas no mercado externo.

Esta última etapa do desenvolvimento, envolveu a fase seguinte de seleção, onde os técnicos da SEI participaram de uma avaliação técnica, da pesquisa de soluções realizada pela empresa.

Isto está muito aderente à metodologia de Mintzberg, que, como ele próprio sugere, trata-se de um método não linear, mas sim orgânico, podendo haver vários retornos entre as fases, ou etapas de uma mesma fase.

Na segunda etapa das pesquisas de soluções alternativas passou-se para o mercado externo. Houve envolvimento mais direto do comitê de decisão, que se deslocou para feiras e empresas no exterior, buscando elementos que garantissem qualidade na tomada de decisão.

Este rastreamento de tecnologia teve participação direta da autora deste trabalho, que o incorporou como etapa de seu doutorado.

Novamente entre os possíveis fornecedores, fez-se uma pré-seleção. Apenas dois foram eleitos para a fase de seleção final.

Os critérios, que restringiram a apenas dois, fornecedores foram: a capacidade de entrega de instalações de grande porte, e o número de clientes (usuários) dos candidatos a fornecedores.

Um novo documento, reunindo o maior número possível de informações a cerca das duas soluções "candidatas" foi preparado pela assessoria do comitê.

(b) Avaliação

A seleção foi efetuada após cuidadosa análise técnica das configurações propostas, observadas sob o prisma dos seguintes critérios:

- Oferta de um sistema completo, mas com possibilidade de expansão modular,

- Documentação de "hardware" e "software",

- Treinamento operacional,

- Assistência pós-venda,

- A existência ou não de outras instalações, do mesmo fornecedor, no Brasil.

Tratou-se, portanto de uma avaliação técnica, para usar a terminologia de Mintzberg, que permitiu eleger um dos fornecedores.

Ainda dentro da fase de avaliação, o comitê foi assessorado pelo departamento financeiro que fez a análise do retorno do investimento.

(c) Autorização

Por tratar-se de um investimento substancial, fugia da alçada do comitê a autorização da compra, que foi decidida pelo conselho administrativo da empresa.

Após a "anuência" da SEI, que representa a parte legal da autorização de importação e do parecer positivo do conselho, os recursos foram liberados, permitindo ao comitê acionar o departamento de importação e efetuar a aquisição das novas tecnologias.

Rotinas de Apoio

O modelo de Mintzberg propõe a existência de rotinas de apoio, tanto de controle e comunicação, como políticas.

Neste caso, pode-se constar a existência formal de uma assessoria, ao longo do processo decisório.

O assessor que prestou serviços ao comitê, durante todo o processo, atuando como facilitador, foi responsável pela coleta de dados durante a fase de identificação, elaborando relatórios empregados nas etapas seguintes.

A comunicação com os fornecedores nacionais, bem como a troca de documentos com a Secretaria Especial de Informática, foi efetuada por esta mesma assessoria.

Com relação às rotinas de controle, pode-se observar situações distintas: inicialmente, o controle exercido pelo comitê, junto à assessoria. E, num segundo momento o comitê submetendo-se às deliberações do conselho.

O comitê sujeitou-se às exigências legais, impostas pela Lei de Informática e, também, às orientações do departamento financeiro, no que tange ao retorno do investimento. Nestas duas situações, pelo menos, constata-se a presença de "rotinas políticas", apontadas pelo autor.

Conclusões sobre o Processo Decisório

Esta parte do estudo de caso, que concetrou-se no processo decisório demonstrou o emprego do modelo proposto por Mintzberg, na tomada de decisão em uma empresa brasileira.

Pode-se, com facilidade, identificar cada uma das fases e etapas apontadas pelo autor.

A empresa alvo deste estudo, emprega freqüentemente este roteiro, em suas tomadas de decisão a nível estratégico.

Como a instalação pode ser visitada várias vezes em anos subsequentes, durante os trabalhos de doutorado, e a configuração adquirida vem apresentando performance além das expectativas, pode-se afirmar, sem medo de errar, que a tomada de decisão foi de "boa qualidade", como desejava o comitê.

Pode-se recomendar, portanto, o emprego do modelo aos decisores das empresas nacionais.

Recomenda-se, ainda, uma etapa adicional, que não consta do modelo proposto, e que é utilizada pela empresa estudada. Trata-se da elaboração, na fase de avaliação técnica, de um roteiro de acompanhamento da performance da solução eleita, especificando as variáveis a serem controladas e os resultados esperados em cada controle posterior.

Este procedimento traz a vantagem de se estabelecer parâmetros de avaliação futura, com base nos parâmetros utilizados na eleição da solução. Garante, portanto avaliações confiáveis a "posteriori", não só da solução eleita, mas do desempenho do comitê de decisão.

3.6. Solução Eleita

Foram adquiridos, então, equipamentos fornecidos por uma empresa americana: GERBER - GGT.

3.6.1. Configuração do Sistema

Optou-se pela automação da modelagem, com a geração do banco de modelos totalmente integrada à atividade de estudo do corte (encaixe).

A configuração inicial do sistema, em plena operação, conta com "hardware" e "software" para atender às funções de modelagem, encaixe e elaboração dos desenhos destinados ao corte de malha.

(a) Modelagem

A parte do sistema que atende a modelagem possui duas estações de trabalho composta de mesa digitalizadora, minigráfica e a estação de trabalho propriamente dita.

- Funções Básicas:

Desenvolvimento de moldes, a partir dos modelos criados pelo Departamento de Estilo;

Digitalização das peças do molde básico, que não tenham sido desenvolvidas no próprio sistema;

Determinação da área e perímetro de cada peça do molde, informações necessárias aos Departamentos de T&M e de Custos; Formação da biblioteca de modelos;

Determinação dos níveis de aproveitamento esperados para cada produto;

(b) Encaixe

O setor que estuda as opções de corte de malha, serve-se do banco de modelos gerados pela modelagem e conta com seis estações de trabalho.

Dois computadores atendem às duas áreas, bem como aos traçadores gráficos.

- Funções:

Dar entrada nas ordens de produção;

Encaixes, usando as bibliotecas de moldes;

Formação de arquivos para estatísticas.

(c) Traçadores

Para atender à demanda desta área existem quatro "plotter" de 1,8 m de largura.

- Funções:

Desenho de moldes para a sala de modelagem;

Desenho de riscos para o corte.

3.7. Etapas de Implantação

Tão logo definida a configuração e o fornecedor, formaram-se pequenas equipes para tratar da:

(a) Importação

Envolvendo SEI, BEFIEX, CACEX, além da obtenção de financiamento.

(b) Instalação

A cargo do Departamento de Engenharia, responsável pelo arranjo físico e instalações das utilidades: energia e ar condicionado.

(c) Treinamento

Enquanto dois técnicos eram treinados nos USA, pelo fornecedor, uma pessoa realizava visitas a usuários no mesmo país, procurando reforçar conhecimentos, para garantir a assimilação da nova tecnologia no menor tempo possível.

O gerente da instalação visitou várias talharias providas com sistemas de automação, na Comunidade Européia.

(d) Operação Assistida

A instalação, por conta do fornecedor, foi acompanhada por técnicos responsáveis pela manutenção do sistema, tanto da empresa como de terceiros.

O próprio fornecedor treinou junto à instalação, a primeira equipe de operação.

Durante o período de operação assistida, o Departamento de Automação Industrial colocou dois técnicos como residentes na instalação, responsáveis pela multiplicação do treinamento, suporte técnico à operação e rastreamento das variáveis de controle.

Um estudo detalhado do papel do "técnico residente" em instalações durante processos de inovação tecnológica foi um dos resultados do presente estudo de caso.

O papel desempenhado por este técnico é de um facilitador no processo de assimilação de novas tecnologia. Este "papel" é um dos alvos de estudo, pois deseja-se instrumentalizar "facilitadores" no processo de inovação tecnológica.

3.8. Resultados Obtidos

O período de operação assistida, previsto em meio ano, terminou após quatro meses. A instalação operando com toda sua capacidade, ou seja, com todas as equipes treinadas, todos os turnos de trabalho preenchidos e com uma primeira edição da biblioteca de modelos.

Constatou-se que o retorno do investimento, previsto para treze meses após o regime assistido, podia ser facilmente atingido. O primeiro dos técnicos residentes, que voltou após quatro meses, trouxe dados comprovando que os níveis de aproveitamento de malha desejados, começavam a ser obtidos.

O segundo técnico permaneceu na instalação durante os doze meses que se seguiram, acompanhando a equipe, conferindo resultados obtidos e preparando as integrações com os sistemas de informação. Sistemas de ordens de produção, T&M e Custos.

Com a instalação operando em regime permanente, com todas integrações devidamente concluídas e o retorno do investimento assegurado, podia se pensar nas etapas futuras.

3.9. Ampliação

Dois anos após a instalação da computação gráfica, na fábrica de Blumenau, adquiriu-se um sistema para a unidade do Nordeste, composto de duas estações de trabalho destinadas ao encaixe e dois "plotter" para elaboração dos riscos.

A biblioteca de modelos, gerada no Sul, é compartilhada com a nova instalação, garantindo total uniformidade entre as duas fábricas.

Em 1991 foi planejada a segunda ampliação, prevendo a ampliação da modelagem, da primeira instalação e a instalação de um sistema completo na unidade de tecido plano.

Novo rastreamento de tecnologias foi efetuado com novos estudos de "custo x benefício", optando-se mais uma vez pelo mesmo fabricante, porém por equipamentos mais atualizados em termos de densidade tecnológica.

Novamente a equipe de automação industrial ficou encarregada de todas as atividades do projeto de inovação tecnológica, desde as revisões das instalações existentes, pesquisa das tecnologias disponíveis, suporte à importação e apoio ao treinamento das equipes e preparação das novas instalações.

3.10. Conclusões

A introdução de sistemas automatizados, baseados em recursos de computação gráfica, para realizar operações de modelagem e planejamento de corte de malha, trouxe vários benefícios à empresa. Podem ser citados:

- Incremento na qualidade dos produtos finais, pela maior precisão no corte;

- Contribuição para o "Quick response";

- Formação de uma biblioteca de modelos, garantido reprodutibilidade e facilidade de recuperação de dados;

- Aumento no aproveitamento de malha, durante o corte;

- Integração entre sistemas de informação.

- Oportunidade de atualização profissional da equipe e melhoria nas condições de trabalho;

- Eliminação de erros de quantidades de partes de moldes e de orientação da malha no corte;

- Redução de área e de transportes, com a eliminação da biblioteca de moldes em papelão;

- Contribuição para a "empresa clean", eliminando o emprego das 50 toneladas de papelão;

3.11. Avaliação do Processo de Inovação Tecnológica:

A sistemática de introdução de novas tecnologias adotada neste projeto, o de computação gráfica, é padrão na empresa, tendo sido repetido em outras inovações tecnológica, a saber:

- Sistema de colorimetria computadorizado;

- Computação gráfica como apoio à estamparia.

Os pontos básicos são:

A existência de uma equipe de Automação Industrial formalmente instalada, como Departamento da Área de Planejamento e Informática, cuja chefia desempenha o papel de "executivo facilitador" do processo de inovação tecnológica;

A formação da equipe, seu treinamento e atividades foram desde o início, coordenadas por um Plano Diretor de Automação Industrial;

A equipe é responsável pela condução do projeto CIM da empresa, que é permanentemente supervisionado pelo Comitê de Automação Industrial;

Todos os projetos desenvolvidos são atrelados ao Planejamento Estratégico da empresa;

Embora haja a coordenação, os projetos são concebidos e executados em regime de parceria envolvendo a equipe usuária desde o início e o fornecedor a partir do momento de sua definição;

A presença da equipe de engenharia, já no processo de importação tem facilitado a instalação e contribuído para a sensível redução do período de operação assistida;

Assegurar a participação do Departamento de Treinamento a partir do momento em que as negociações vão sendo finalizadas, garante a preparação adequada das equipes, eliminando os chamados "choques da automação".

3.12. Executivo Facilitador:

Este estudo de caso permitiu identificar a figura de um "executivo facilitador" durante o processo de introdução de novas tecnologias, presente em dois momentos distintos. O primeiro: técnico com vocação gerencial, participante ativo no processo decisório. O segundo apenas técnico, residente na instalação, atuante na implantação e operação assistida.

As funções desempenhada pelo facilitador a nível gerencial vai desde o acompanhamento do Planejamento Estratégico da organização, a concepção e desenvolvimento de um CIM, a identificação de ilhas de automação com maior prioridade para a empresa, a identificação de soluções alternativas, até a total implantação da solução eleita. Participa das negociações, prepara documentos para Órgãos Governamentais e se envolve nos treinamentos das equipes que trabalharão no ambiente da inovação tecnológica.

É vital a figura do "executivo facilitador", pois sendo uma pessoa totalmente comprometida com o processo de inovação, mas sem permanecer atrelado às novas instalações, mantém uma "visão de helicóptero" durante todo o projeto, garantindo integração, sem perder a atenção aos detalhes.

O técnico residente desempenha funções na instalação da nova tecnologia. Sua atuação no período de pré-operação e operação assistida é vital para a redução deste período, possibilitando a entrega da solução para o usuário final rapidamente.

A manutenção do residente na operação assistida além de dar suporte ao treinamento das equipes, garante o rastreamento das variáveis de controle, fazendo uma primeira medição do desempenho da instalação.

Uma observação relevante, talvez a mais importante realizada durante este estudo de caso foi relativa aos movimentos da mão de obra. Se novas tecnologias alteram os processos deslocando mão de obra operacional, as tecnologias de informação, fartamente presente nesta instalação, tem alterado as necessidade de controle de processo, realizada até então por uma mão de obra mais especializada, a nível de supervisão.

De um momento para o outro a tecnologia contribui de modo decisivo e definitivo, para a supressão de todo um nível administrativo, presente no processo de produção.

Se de um lado o controle do processo pode ser efetuado pelo computador, dispensando pessoas, técnicos são cada vez mais solicitados para apoiar o processo na condição de consultores internos à organização, atuando como facilitadores nos processos de mudanças.

Existe um grupo de profissionais passando por um grande desconforto dentro da indústria têxtil, que vem assimilando cada vez mais novas tecnologias. Trata-se de um público localizado numa faixa intermediária da estrutura, que decididamente está desaparecendo.

Charles Dygert, consultor americano, discípulo de Edwards Deming, colocou em uma entrevista recente alguns pontos sobre este processo de mudança que vem ocorrendo nas empresa.

Segundo sua cartilha, na administração tradicional, a cúpula executiva gasta tempo resolvendo problemas, enquanto a chefia intermediária tenta apagar incêndios e os trabalhadores driblam o caos. Na administração moderna, quem resolvem os problemas são os próprios trabalhadores. A cúpula fica livre para planejar estratégias e o escalão intermediário - que perde importância - apenas programa o processo.

Nas minhas observações pude constatar outros tipos de evidências. Existe um grande desconforto no escalão intermediário. Muitos se queixam sem saber do que precisamente.

Se desconfortos geram mudanças, o processo de mudança por sua vez, pode provocar um desconforto maior ainda, exigindo de quem o enfrenta o "pagamento de um pedágio". Este escalão intermediário está pagando o "pedágio" e, muitas vezes, sem o saber.

Resta uma pergunta: o que está acontecendo dentro da indústria neste momento? Ou pelo menos na têxtil, onde me encontro pesquisando?

- Uma mudança!

Trata-se de uma mudança, como colocada por Dygert, que mexe com o escalão intermediário. Concordo com ele quando diz que a importância deste escalão diminui. Mas discordo que sua atividade reduz-se à programação do processo. Em alguns casos nem isto o escalão intermediário continua fazendo. Ele é literalmente exportado do processo.

Acredito que as pessoas deste nível devem mudar de posição, para não serem deslocadas para fora dos portões: Atuar no aperfeiçoamento do processo, como facilitadores de inovações. Aí tem seu espaço garantido.

Os técnicos identificados como facilitadores no processo de inovação (no estudo de caso) já teriam tomado a dianteira neste processo de mudança e se deslocado voluntariamente para esta nova posição de consultor interno, que apoia alterações no processo, ao invés de permanecer residente no mesmo, executando funções de controle?

Estes questionamentos, antes mesmo de tratar do perfil dos facilitadores, reportou os trabalhos de doutorado para a Comunidade Européia com o intuito de observar se estas questões lá existem, como estão sendo tratadas, ou talvez como tenham sido tratadas.

3.13. Observações Finais

Este estudo de caso foi apresentado no "Seminário sobre Computação Gráfica nas Indústrias do Vestuário e Têxtil", promovido e organizado pela SOBRACON - Sociedade Brasileira de Comando Numérico e Automação Industrial - com o apoio da ABRAVEST - Associação Brasileira de Vestuário - realizado nos dias 4 e 5 de novembro de 1991, nas dependências do Centro de Convenções do Hilton Hotel, em São Paulo.