CAPÍTULO IV

O EXECUTIVO E O ESPECIALISTA NO PROCESSO DE INOVAÇÃO: PAPÉIS, PRESSÃO E CONFLITOS

4.1. Introdução

Durante o estudo de caso pode ser identificada a presença de dois especialistas desempenhando papéis relevantes no processo de inovação tecnológica. Um deles atuando como facilitador a nível gerencial e o outro a nível operacional. O papel de facilitador também pode ser identificado na coleta de dados feita na CE.

Instrumentalizar adequadamente estes facilitadores, com o intuito de garantir o sucesso na assimilação de novas tecnologias é o objetivo principal deste trabalho de doutorado.

Julga-se necessário, em um primeiro momento localizar estes profissionais dentro da estrutura social da indústria, observando a abrangência dos papéis por eles desempenhados.

Que tipos de pressões e conflitos as pessoas envolvidas neste re-arranjo de papéis vem sofrendo? Como se alteram as relações inter-pessoais neste período?

Depois de respondidas estas perguntas, o que é possível se observarmos a questão pela ótica da sociologia industrial é possível elaborar uma proposta de capacitação de facilitadores.

4.2. Histórico

Quando o homem foi levado para a indústria, viu enfraquecido os laços familiares. Sua casa deixou de ser seu local de trabalho. Ele foi conduzido para as oficinas, trabalhando com pessoas que pouco ou nem sequer conhecia.

Os arranjos físicos impostos pelas máquinas, associado ao elevado nível de ruído, impossibilitava relações interpessoais nos locais de trabalho.

Deu-se início a fase das macro relações sociais, em detrimento das micro relações, que a família promovia.

Este período caracteriza-se economicamente, pelo aumento extensivo da produção industrial.

Após, veio Taylor que, através da atomização das tarefas, ao mesmo tempo que aumentou a eficiência nos postos de trabalho, retirou do trabalhador o domínio sobre o produto.

Num período onde substitui-se o aumento extensivo da produção, por seu aumento intensivo, novamente as relações sociais sofrem profundas transformações com a adoção deste novo modelo.

A atividade industrial, associada às possibilidades de educação, alteraram as estruturas sociais vigentes e promoveram a mobilidade entre camadas sociais. Criaram-se novas classes, dentro do trabalho.

As novas atividades industriais exigiam pessoas melhor preparadas, promovendo uma diferenciação crescente das posições de determinadas categorias de trabalhadores.

Ao lado da racionalização da produção e de sua combinação em grandes empresas, surgem novas funções profissionais para empregados em escritórios de planejamento, vendas, contabilidade, estatísticas, etc.

Estes arranjos vão se operando até a caracterização de três categorias básicas, trabalhando paralelamente, dentro da indústria: O executivo, o especialista e o operário.

Sob uma ótica simplista pode-se afirmar que estes três são os papéis representativos dentro da estrutura social da indústria.

4.3. O Executivo e o Especialista na Indústria:

4.3.1. O Executivo na Atividade Industrial:

Por definição são agrupadas sob a denominação "executivo" todas as pessoas, dentro de uma organização, que participam do processo decisório.

O executivo ocupa um nível tal, onde as decisões não podem ser referidas a uma outra posição, ou está suficientemente próximo deste nível, para poder exercer influência nas decisões finais.

A natureza do papel do executivo é diretamente delineada pela natureza da organização em que se encontra. Ele está totalmente comprometido com o resultado final da mesma.

Sabe-se que a indústria moderna é marcada por uma tecnologia complexa e por um tipo de organização social burocrática. Além disso, certas condições na civilização ocidental produziram uma indústria que é autonomamente (ao invés de socialmente) controlada e capitalisticamente orientada.

Todos estes fatores contribuem na estruturação do papel do executivo, dão-lhe uma forma específica que determina sua ação e exercem sobre ele pressões diversas.

Dentre as funções dos executivos, nos diferentes níveis, pode-se destacar:

- Determinação das políticas da organização,

- Estabelecimento de relações adequadas entre a indústria e as forças externas importantes;

- Direção da organização interna e do funcionamento da fábrica.

No desempenho destas funções, atualmente existem duas situações particularmente relevantes:

as variações no modelo de condução da Economia do País e, o cuidado que o executivo deve ter, em certificar-se que sua indústria não ficará para trás no processo, aparentemente interminável, de atualização tecnológica.

É nesta ocasião que o executivo contará com a participação do especialista.

4.3.2. O Papel do Especialista dentro da Indústria:

Entende-se por papel especializado aquele que é marcado por um conhecimento específico, do tipo abstrato, em algum campo relativamente restrito.

Apresenta uma certa liberdade no desempenho de suas funções, mantendo um forte envolvimento com uma carreira, e que está numa posição tal, que pode exercer influência e autoridade com base no conhecimento.

Normalmente traça sua carreira profissional independentemente da organização. Tem aspirações pessoais bem claras. Se mantém vinculado à sua categoria profissional, conduzindo-se pelos seus códigos de ética.

Pode-se citar como exemplo de especialista, um médico prestando serviços no ambulatório de uma indústria.

Ele detém o conhecimento específico que pode ser empregado também em outras organizações.

Seu compromisso é antes de tudo com a ética médica. A aderência de objetivos do médico, com os da organização nem sempre são totalmente transparentes.

Determinadas medidas por ele tomadas, podem exigir sacrifícios da empresa, como, para ilustrar, dispensar por tempo indeterminado, gestantes que desempenhem suas atividades em um ambiente onde ocorreram casos de rubéola.

O médico contará com a anuência do executivo, mas a forma de encarar o fato ou a motivação para a medida nem sempre é comum a ambos.

Transladando o foco, do médico para o engenheiro, outro especialista alocado dentro da organização, identificam-se pontos comuns, sendo o mais relevante, a observância da ética profissional.

O especialista é, portanto, altamente comprometido com sua carreira. Submete-se menos à organização. Não goza, por outro lado, do "status" que o executivo detém, correndo o risco de sentir-se marginalizado e ter que administrar a frustração de ver seu trabalho menos reconhecido do que gostaria.

Ambos, executivo e especialista tem que compreender que o trabalho deste, principalmente em se tratando de inovação, contribui para a empresa atingir seus objetivos de lucratividade, quer pela venda de produtos diferenciados ou pela vantagem competitiva promovida pelo uso de novas tecnologias.

Pretende-se, neste trabalho analisar o papel desempenhado por um determinado especialista, aquele envolvido com a inovação tecnológica, independentemente de sua formação básica: engenharia, computação, processamento de dados. Abordar este tema, com base na observação de casos reais e recentes, pode suscitar debates sobre o assunto, mobilizando executivos e especialistas, num esforço conjunto, de minimização das pressões e conflitos que surgem no processo de inovação tecnológica.

4.4. Especialista: Conflitos e Pressões sobre seu Papel

Via de regra o especialista é assessor ou está lotado em um órgão de "staff". Trabalha prestando serviços para um executivo ou órgão de linha. Atua como facilitador, em muitos processos.

Ele detém o conhecimento técnico, o que não é suficiente para o exercício de sua profissão. Terá que conhecer também a área onde atuar.

Para o bom desempenho de suas atividades deve ter uma visão conceitual da área e/ou projeto com que se envolve. Passar do estágio de conhecimento técnico (operacional), que adquiriu por ocasião de sua formação básica, para uma visão conceitual (estratégica), dominando, nesta passagem, as informações do nível tático.

É fator crítico de sucesso, para o especialista, esta visão ampla, no suporte à inovação, caso contrário implementará soluções subotimizantes. Detendo e sendo pressionado ao contínuo aperfeiçoamento de seus conhecimentos técnicos, o especialista tem, portanto, que se instrumentalizar com os "filtros" empregados pelo executivo, na abordagem dos problemas.

São pressões primárias sobre o papel do especialista: a do ambiente, com o qual ele mantém vínculos, atacando-o com centenas de informações, exigindo o esforço da permanente atualização e, dentro da organização, a necessidade de conhecer intimamente, todos os processos, de modo a introduzir seletivamente as inovações.

Como assessor não é "dono" da área onde a inovação está sendo implementada. Necessita do apoio do executivo, que aloca recursos entre atividades competitivas.

Em muitas situações passa pelo desconforto da disputa de recursos, por soluções que competem entre si. Às vezes tem que submeter-se a vontade de um executivo de maior influência dentro da empresa.

Seu desempenho acaba atrelado a sua capacidade de negociar e, se não for suficientemente hábil, pode ser tomado por inoportuno. Deve ser cuidadoso em suas defesas, para não correr o risco de ser responsabilizado por inversão de prioridades.

Muitas vezes o especialista posiciona-se de forma radical em relação ao seu trabalho, não aceitando a monitoração pelo executivo, por saber que este desconhece as técnicas por ele dominadas.

Um exemplo fictício pode ilustrar o comportamento. Seria o mesmo pensar que apenas o piloto pudesse usar o transporte aéreo, por ser o único capaz de conduzir o avião.

Para reverter um processo destes, o executivo deve ser capaz de mostrar ao especialista que, apesar de pouco ou nada entender das técnicas que este domina, reconhece sua importância e sabe muito bem distinguir locais onde podem ser aplicadas com sucesso.

Se isto não for aceito ele pode confundir as coisas, achando que o executivo de nada entende, por não ser também um especialista. Neste caso pode deixar de cooperar, alocando muito tempo em atividades que desempenharia facilmente. Sobre estas situações o executivo tem pouco controle.

Poderá, inclusive esvaziar uma aplicação. O único caminho ao gerente é habilidade na condução da questão, motivando o especialista e com isto conseguindo sua adesão.

Outros conflitos surgem devidos às mudanças nas relações interpessoais que ocorrem na fábrica, com introdução de inovações.

Com o controle dos processos e o transporte lógico (informações), sendo efetuado por máquinas, há sensível diminuição do poder, que sempre esteve associado à posse da informação.

A inovação, principalmente acarretada pela informática e automação industrial, requer um processo de acomodação, relativamente forte, nas relações de médias chefias, que são funções em extinção.

É neste ambiente, caracterizado pela transição que o especialista se vê obrigado a circular. Com que tipo de "vacina emocional" pode contar ( se é que existe alguma...)?

O jeito é apreender técnicas eficazes que o suportem adequadamente. Neste trabalho, mais adiante vamos propor o emprego dos recursos oferecidos pela Programação Neuro Lingüística.

Na busca de soluções alternativas, o especialista é treinado a apreender pela contínua experimentação. O fracasso deixa de ser tomado como desastre, mas por oportunidade de desenvolvimento. Paciência torna-se sinônimo de uso adequado do tempo e não de espera, ou perda de tempo.

O executivo, por seu turno, tem dificuldades de aceitar esta postura do especialista. Ele, pressionado pelos resultados imediatos, que a produção exige, torna-se "imediatista".

Sob este ângulo, o de obter respostas rápidas, que executivo e especialista se vêem sob outro tipo de pressão, a exercida pelo governo, ao impor restrições legais ao fluxo da tecnologia. Deixando de lado a análise sob o ponto de vista político, e se concentrando na ótica das relações entre gerente e especialista, estas pressões externas tem o mérito de aproximá-los, dentro de um objetivo comum: conduzir a um bom final o processo de inovação.

Para finalizar, deve-se abordar a pior das pressões que é, sem dúvida a da perda do emprego. Se o operário é ameaçado pelo desemprego tecnológico, o especialista é ameaçado por condições econômicas e/ou políticas adversas. É agravante o fato do especialista, com freqüência, trabalhar numa área de investimento dentro da empresa.

Ele deve estar consciente que em épocas de crises, é o investimento o primeiro "acelerador" do qual o empresário retira o pé. Se nesta hora, a nível pessoal, o especialista estiver "pisando fundo no acelerador profissional", ele poderá passar por enorme frustração, além de reveses financeiros. Para minimizar o risco de desemprego, o jeito é tornar-se "marqueteiro" e provar que seu trabalho se paga, e vem se pagando. Apresentar o "balanço" de cada aplicação, da qual participa.

Enquanto residente em uma ilha de inovação o especialista sofre outros tipos de pressão sobre sua atuação, que tem que ser bem reconhecidas e administradas para não se transformarem em conflitos.

Dentro do processo de inovação tecnológica, com freqüência o usuário tem que ser assistido. Este acompanhamento pode ter seu início na identificação da necessidade de inovar, até a pré-operação de uma instalação.

Cabe aqui tecer considerações sobre as atividades do especialista que é envolvido em todo o processo, fazendo posteriormente residência na instalação, durante o período de operação assistida.

Assiste a pré-operação da solução eleita. Quando começam a aparecer os primeiros resultados é "sacado" para outra aplicação.

Durante sua permanência na instalação, o técnico residente sofre pressão do usuário, que poderá

vê-lo como uma ameaça, reclamando que se "amolde" aos esquemas. É importante que o especialista, enquanto residente, respeite as regras do usuário, se possível adaptando-se a seus horários e demais normas. O usuário pode deixar de vê-lo como colaborador, mas como um "controle remoto" de outro gerente, interferindo em seu domínio.

Políticas de boas vizinhas, amenizam ou eliminam tais pressões.

Quem gerencia um residente deve mostrar-lhe que a aplicação na qual está envolvido, constitui uma das inúmeras em que trabalhará.

Esta possibilidade de envolver-se com projetos novos lhe proporcionará contínuo aperfeiçoamento. Para seu usuário aquela aplicação pode representar a máxima conquista em sua vida profissional. Portanto cabe ao especialista dar-lhe amplo e restrito apoio.

Pode-se mostrar que seu trabalho contribui diretamente para o aumento da qualidade de vida das pessoas por ele atingidas.

Na indústria têxtil brasileira, só para citar um exemplo, é de 0,27% a população trabalhadora que tem curso superior. Isto aumenta a responsabilidade social de quem teve acesso a melhor instrução.

Portanto o técnico sabe que concluída a operação assistida, ele encerra sua residência e volta para sua equipe original.

Normalmente motiva-se por trabalhos novos, mas existe o ônus da separação. Ele tem que ser assistido nesta transição.

Nesta fase, geralmente o usuário que assume o projeto é promovido e o técnico, simplesmente removido. Existe frustração embutida neste processo, pois até laços de amizade formados vão se enfraquecendo, quando não se rompem bruscamente.

No seu retorno, ele pode atrapalhar outros, com sua inquietação ou temporária ociosidade.

Sentir-se-á extremamente desconfortável se passar por um período ocioso. O pique de seus colegas poderá ser tomado até como humilhação.

Nesta hora deve ser deslocado para levantamentos. Melhor ainda fazer visitas técnicas, cursos etc, que o alavanquem. Cabe este cuidado a quem o gerencia.

Férias podem ser programadas, para o final de um projeto. O especialista se sentirá gozando de merecido repouso.

Normalmente períodos de operação assistida são conturbados. Requerem, com freqüência uma jornada de trabalho mais intensa, com horas extras e até as famosas viradas de noite. A pessoa às vezes é privada do convívio familiar. Por isto férias podem ser muito bem vindas, pelo profissional, bem como por seus familiares.

Ele superará mais facilmente este período se conseguir ver com clareza seu plano de carreira, e souber em que ponto se encontra. Entenderá que se trata de uma fase.

Uma boa sugestão é a de estimular o especialista a documentar seus projetos, traçando um paralelo entre seu trabalho e o de um artista, que, de obra em obra, forma um acervo.

O artista pode fazer uma exposição e contar com o reconhecimento de seu público. O especialista, normalmente conta apenas com sua visão pessoal, como forma de gratificação.

A documentação, além de importante para a empresa, gera um material que pode ser usado em treinamentos futuros ministrados pelo próprio técnico.

Mostrar seu trabalho para outras pessoas, lhe dá oportunidade de "lamber sua cria" e conquistar o almejado reconhecimento.

4.5. Propostas e Recomendações:

Dentro do processo de inovação tecnológica, como foi demonstrado, surgem conflitos na relações interpessoais, nos diferentes níveis da organização.

Como fazer que executivo, especialista e seus usuários trabalhem juntos, sem que uma das partes se sinta ameaçada?

O que fazer para que cada uma das partes reconheça seu potencial e aceite suas limitações?

Como evitar a instalação de um processo de medição de forças?

Muitas empresas, chamadas de "terceiro tipo", vem adotando modelos de administração participativa.

Esta é uma nova fase dentro do processo de industrialização, caracterizada por forte resgate das micro relações sociais, desfeitas em estágios anteriores (primórdios da industrialização, taylorismo e fordianismo).

Tem sido denominada "Toyotismo" e pode ser o denominador comum entre "eficência-lucro" e as necessidades sociais do homem.

Dentro do modelo de administração participativa os impactos da inovação tem sido melhor assimilados, recebendo via de regra, tratamento preventivo.

Os atuais dirigentes de indústrias podem esforçar-se no sentido de implantar e promover o contínuo aprimoramento do "toyotismo" em suas organizações, como instrumento de suporte à inovação.

Neste ambiente o executivo terá "mais fôlego" para desempenhar suas atividades a contento e, o especialista encontrará espaço para envolver-se com outras atividades, que não sejam estritamente técnicas.

4.6. Conclusão:

Conflitos sociais existem e continuarão existindo a despeito de todos os processos de inovação tecnológica. A pretensão deste estudo não pode ser outra que suscitar um debate sobre as alterações nas relações interpessoais que a inovação acarreta, com o objetivo de minimizar conflitos.

Foram colocadas, no decorrer deste estudo, propostas preliminares de abordagem que podem converter conflitos em relações criativas, onde o maior beneficiado é o operário, agente quase passivo no processo decisório, que será afetado por decisões melhor elaboradas, tanto do ponto de vista tecnológico, quanto social conduzir a subotimizações.

A seguir pretende-se definir ainda melhor o perfil destes dos facilitadores e elaborar uma proposta de instrumentalização, para atuar nestes novos papéis que se configuram dentro de empresas modernas.