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Essa é uma história apaixonante e comovente sobre coragem e a influência da linguagem. É um grande exemplo de como entrar no mundo de outra pessoa por meio do espelhamento – e além disso – em uma situação extremamente perigosa.
Acho que você irá apreciar essa história de Rosemary Lake-Liotta compartilhando a sua experiência de trabalho como técnica em emergência médica em bairros violentos.
A reação dela foi contrária às instruções clássicas para tais situações. Normalmente você é orientado para reagir ao conflito usando palavras conciliadoras como "vamos nos acalmar e discutir isso racionalmente." Acho que você pode imaginar como isso teria funcionado aqui.
Palavras salvam vidas
Depois do treinamento para me tornar técnica em emergência médica, me foi dada uma oportunidade para continuar o aprendizado. Eu participaria de um estágio não remunerado de 120 horas com os paramédicos do Corpo de Bombeiros de Chicago para aprender no campo mais técnicas de intervenção em crises.
Um dos paramédicos que me orientou durante o estágio no campo me disse, no primeiro dia, algumas coisas que eu nunca vou me esquecer. "Você vai ver e conhecer pessoas que poderão ser muito diferentes de você. Elas não podem olhar como você, não podem agir como você, não podem compartilhar os mesmos valores que você, podem usar uma linguagem desbocada e podem não ter os mesmos hábitos de higiene. Podem ser sem teto ou viver na pobreza. Podem ter tido horríveis experiências de vida que moldaram a forma como agem e o que fazem. Podem ser surdas ou cegas. Podem ser de outro país e não falarem inglês. Você deve tratar cada pessoa com quem entrar em contato, independentemente de quem seja, com RESPEITO."
Ele continuou: "As palavras que você usar e como as usa, transmitem muitas coisas nesse trabalho. Primeiro, elas devem sempre transmitir respeito. Depois, você deve ser capaz de se comunicar com os outros nos termos que eles usam e entendem. Terá que aprender a ser muito flexível e a mudar com as circunstâncias. Em qualquer situação, você deve sempre se proteger e proteger o seu paciente. Quando coloca uma pessoa na sua maca, a vida dela se torna sua total responsabilidade. Não faz diferença se você está em um hospital ou nos conjuntos habitacionais; se a pessoa estiver na sua maca, você é responsável por essa pessoa."
"Quando você estiver conosco no campo," ele disse, "eu quero que você mantenha a boca fechada e assista a tudo que nós fizermos, ouça o que nós dissermos, e, especialmente, observe as expressões das pessoas enquanto estivermos interagindo com elas."
Durante os meses que se seguiram, vi centenas de rostos. Cada transporte forneceu uma riqueza de conhecimentos com relação ao comportamento humano, e me ensinou a escolher as minhas palavras com cuidado. Todo esse treinamento me preparou para o dia que iria mudar a minha vida...
Eu estava trabalhando em uma empresa privada de ambulâncias que tinha contrato com hospitais e asilos para toda a área de Chicago. A cada ambulância estava atribuída uma equipe de duas pessoas que incluía um motorista e um atendente, ambos técnicos em emergência médica certificados. Muito antes da era dos telefones celulares, as ambulâncias eram equipadas com rádios CB estacionários. (Os únicos rádios portáteis disponíveis eram carregados pelos paramédicos que trabalhavam nas quatro ambulâncias de cuidado intensivo.) Isso significava que quando deixávamos a ambulância para pegar um paciente, não tínhamos contato por rádio com a central.
Naquele dia, meu parceiro e eu fomos designados para um trabalho de rotina e despachados para “recolher um paciente” em um dos conjuntos habitacionais, chamado Cabrini Green. O paciente devia ser transportado ao hospital para fazer fisioterapia. Eu já tinha estado, muitas vezes, no Cabrini Green durante o meu estágio com os bombeiros. Como parte do meu treinamento, eu tinha tido um curso intensivo sobre as gangues e a sua violência. Na verdade, eu havia aprendido a "falar como um da gangue."
As paredes de cimento dos edifícios estavam cobertas de pichações das gangues, controladas em grande parte pelos Vice Lords e os Latin Kings. A pichação era uma maneira das gangues marcarem seu território, para que os outros soubessem que esse território era deles. Os corredores também eram cimentados e abertos, sendo fechados por telas a partir do primeiro andar para evitar que pessoas pulassem para a morte. Os elevadores estavam em péssimas condições. Nós nunca sabíamos de antemão se o elevador que iamos precisar estaria funcionando ou não. Mas tivemos sorte. As portas do elevador se abriram. Puxei a maca e meu parceiro Joe apertou o botão do 14º andar. As portas se fecharam. À medida que subíamos, a luz no elevador começou a piscar. Quando a luz piscava, o elevador parava e depois se sacudindo, subia de novo. Talvez a fiação tenha sido roída pelos ratos o que era um problema comum por lá.
Quando chegamos no 14º andar, colocamos cuidadosamente a cabeça para fora para ver se a situação estava segura. Parecia tranquilo, e assim tiramos a maca do elevador e seguimos pelo corredor até o apartamento. Joe ficou de um lado da porta e eu do outro lado. Nós sabíamos que não se fica na frente da porta, pois nunca se sabe se tem alguém do outro lado com uma arma. Joe bateu com força na porta. Uma voz respondeu do outro lado.
"Que diabo vocês querem?"
Joe disse, "Nós somos os técnicos em emergência que viemos buscar o Jessie."
A porta se abriu e apareceu um garoto de uns 10 anos. "Entrem," ele disse, "o Jessie está aqui."
Seguimos o garoto levando a maca, passamos por uma pequena sala e entramos num quarto. Sentado na cama estava um jovem com grossas ataduras brancas nas duas pernas. Ele vestia um calção que tinha sido cortado dos lados para dar espaço às ataduras que começavam nos quadris.
"O Jessie não consegue se mexer sozinho," o garoto disse. "Vocês terão que levantá-lo."
"Qual é o seu nome?" perguntei.
"Eu sou Henry, irmão do Jessie."
Jessie disse para seu irmão ir para o vizinho e ficar lá enquanto ele estivesse no hospital. Depois que o Henry saiu, eu perguntei ao Jessie o que tinha acontecido com ele. Ele disse que os Lords tinham quebrado as duas pernas dele com tacos de beisebol porque ele não quis entrar na gangue deles. Ele e sua família faziam parte das Testemunhas de Jeová. Ele disse que nunca poderia participar de uma gangue devido às suas crenças religiosas. Me pediu para lhe alcançar a sua Bíblia, pois assim poderia lê-la no hospital enquanto esperava pela hora da sua fisioterapia. Quando terminamos de prendê-lo com segurança na maca, nos dirigimos de volta para o corredor.
Eu seguia na frente carregando a maca para o elevador. Dentro do elevador, apertei o botão para descer, mas as portas se abriram de novo. Nesse momento, três homens estavam parados ali. O homem do meio segurava um revólver. Ele olhou para mim com ar superior e disse: "QUE DIABOS você acha que está FAZENDO com o MEU MENINO?"
Dei uma olhada para o Jessie e vi o terror estampado no seu rosto. Em uma fração de segundo, eu tive a certeza de que eles eram alguns dos homens que haviam feito aquela violência com ele. Eu enchi o peito assumindo toda a minha altura de um metro e meio, olhei para o homem com o revólver e disse: "Ele NÃO é seu menino, ele está na minha maca, ele está no MEU TERRITÓRIO. Ele é MEU MENINO!"
Surpreendido, o homem olhou para o revólver que estava segurando, olhou de volta para mim e falou: "DISSE O QUÊ?"
Aí eu disse, "Agora eu posso ver que você é um homem que exige RESPEITO. "VOCÊ DEIXOU ISSO CLARO."
"Eu lhe dou esse RESPEITO," eu disse. "Agora me deixe falar sobre a minha gangue."
Ele disse, "Você em uma gangue?"
"É isso! Todos esses técnicos e paramédicos que veem aqui quando você chama a emergência fazem parte da MINHA GANGUE. Agora, deixa eu lhe perguntar. Já houve alguma vez que você chamou a emergência e ninguém da MINHA GANGUE apareceu para ajudá-lo?"
"Não, eles aparecem," ele disse.
"ISSO MESMO. Se você se meter comigo ou com qualquer um do meu TERRITÓRIO," eu apontei para o Jessie, "ou se meter com qualquer um da MINHA GANGUE, QUE DIABOS VOCÊ ACHA QUE VAI ACONTECER NA PRÓXIMA VEZ QUE ALGUM DOS SEUS MENINOS ESTIVER SANGRANDO MUITO E VOCÊ CHAMAR A EMERGÊNCIA?”
Ele olhou para o revólver, depois olhou novamente para mim e disse: "MALDITA CADELA!"
"VOCÊ ENTENDEU DIREITINHO," gritei para ele, "E EMBORA EU O TRATE COM TODO O RESPEITO, EU NÃO TENHO O DIA TODO PARA FICAR AQUI DISCUTINDO COM VOCÊ!"
"Deixa a senhora passar," disse ele balançando a cabeça.
Puxei a maca para dentro do elevador, rezando para que ele não mudasse de ideia. As lágrimas escorriam pelo rosto do Jessie quando o elevador fechou as portas. Joe e eu respiramos aliviados, nos preparando da melhor maneira para qualquer coisa que pudéssemos encontrar no térreo. Felizmente, quando as portas se abriram, o cenário estava seguro para prosseguirmos até a ambulância. Comunicamos a nossa central que havia ocorrido um incidente, porém sem consequências e que chamaríamos de volta no hospital. No caminho, perguntei ao Jessie quem eram aqueles homens. Ele disse que não sabia seus nomes. Perguntei se tinham sido eles que tinham quebrado as suas pernas. Ele balançou a cabeça e disse: "Se eu disser para alguém quem são eles, eles matam a minha família. Eu já falei com a polícia. O que você não entende é que eu tenho que viver lá."
Quando liguei para o meu despachante, uma reunião foi marcada com o supervisor dos paramédicos e o dono da empresa para discutir o que fazer. Como o homem com o revólver na realidade não apontou a arma diretamente para mim e nem disse que ia me matar, e como eu também não sabia quem era o homem, preencher uma ocorrência policial não era recomendado. Milhares de pessoas vivem nos conjuntos habitacionais de Chicago e muitos têm armas. Os paramédicos e os técnicos em todo o país enfrentam situações perigosas todos os dias. Eles continuam a fazer o seu trabalho. Nós estávamos lá para transportar o Jessie com segurança para a fisioterapia e trazê-lo de volta, e não para tentar perseguir os membros da gangue. Depois da reunião, eu fui promovida e me tornei uma dos treinadoras de técnicos em emergência da empresa.
Como treinadora, fui pegar o Jessie três vezes por semana durante os seis meses seguintes com estagiários sob minha responsabilidade. Cada vez que eu parava no Cabrini Green e saía da ambulância, os olheiros da gangue que estavam cuidando do território diziam: "Ei, é aquela cadela médica branca de novo!" E aí se ouvia um berro: "Ele disse para deixar a senhora passar." Lá nunca mais alguém me incomodou de novo.
Rosemary Lake-Liotta
Extraído do livro, Sweet Fruit from the Bitter Tree: 61 stories of creative and compassionate ways out of conflict, de Mark Andreas
O artigo original "How Words Can Save Lives" encontra-se no Blog de Steve Andreas