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O autoconceito de cada um é muito influenciado pela autobiografia escrita nos registros mentais da memória. Este senso de identidade se expressa através do jeito de uma pessoa pensar, sentir e agir. Fomos concebidos uma vez pelos pais, e nós nos concebemos o resto da vida através de nossa consciência, crenças e valores, paradigmas e modelos mentais. O passado, conforme codificado na mente, acaba sendo uma referência para as expectativas do futuro, às vezes impulsionando o caminho da evolução, outras vezes o travando.
É natural uma pessoa buscar as causas dos problemas no passado, tão natural quanto tropeçar na rua e olhar para trás para localizar no caminho aquilo que a atrapalhou. Pode-se, inclusive, passar toda uma vida ou boa parte dela em terapia, remexendo memórias para descobrir as causas das limitações no presente. Quando são descobertas, pode-se tomar consciência de padrões de comportamento, atitudes ou crenças geradas por uma situação já vivida. Faz-se então um esforço para compreender e superar a antiga experiência.
Para garantir um retorno do investimento que se faz nesta viagem ao passado, vale a pena perguntar: o quanto você pode confiar nos dados que sua memória fornece sobre sua história pessoal?
Em primeiro lugar, é importante entender que o conjunto de nossas experiências de vida é codificado neurolinguisticamente. Isto quer dizer que para cada um dos cinco sentidos, existe um sistema de representação interna. Informação visual, por exemplo, é captada pelo olho e gravada no sistema representacional visual como uma imagem mental visual, e assim por diante com os outros sentidos. A linguagem cria uma outra camada de representação, em que as palavras são símbolos de experiências concretas. Este fenômeno mental sofre três processos de modelagem: omissão, distorção e generalização, de modo que um evento gravado na memória nunca é exatamente fiel ao acontecimento que gerou a gravação.
A natureza subjetiva da experiência humana é o tema principal de estudo da área de Programação Neurolinguística (PNL), iniciada nos anos 70 do século passado. Os criadores da PNL, Richard Bandler e John Grinder, se inspiraram na frase, "O mapa não é o território", reconhecendo que o mundo em si não está limitando as pessoas quando têm dificuldades a serem superadas. No mundo e dentro de uma pessoa, em potencial, não faltam recursos. Mas o "mapa" que se usa como guia pode restringir o acesso a estes recursos, quando suas representações são pobres demais para levar a possíveis soluções. Logicamente, enriquecer um mapa pode subitamente liberar vias de comunicação inter e intrapessoal para que se utilizem recursos que já estavam presentes, porém em potencial. Este enfoque gerou uma grande quantidade de técnicas e abordagens, cujo desenvolvimento foi ganhando cada vez maior abrangência no que diz respeito à realização pessoal e profissional.
As descobertas que deram lugar à PNL, e que abriram de vez a "caixa preta" da experiência subjetiva, foram ganhando espaço em vários campos de pesquisa sobre a mente e o comportamento humano. Estudos científicos recentes apontam maneiras específicas da memória distorcer informação. Um exemplo marcante se deu quando pesquisadores da Boston University mostraram um conjunto de fotografias para os sujeitos de uma experiência, instruindo-os a prestarem muita atenção, pois depois teriam que responder a um questionário sobre as mesmas. Em uma das fotografias um aluno numa sala de aula está caindo ao chão. Em outra, aparece uma mão pegando laranjas espalhadas no chão de um supermercado. Uma terceira retrata uma mulher pegando suas compras de supermercado, derrubadas no chão. De 15 minutos a 48 horas depois, os voluntários avaliaram mais fotografias e decidiram, foto por foto, quais as que já haviam visto antes. Muitos afirmaram ter visto uma fotografia em que um aluno desleixado está se inclinando muito para trás em sua cadeira. Ou outra em que se vê um rapaz estendendo a mão para pegar uma laranja bem embaixo de uma pilha de frutas e também uma foto que mostra o saco de compras se rasgando. Só que estas fotografias nunca foram apresentadas antes. Ao todo, 68% dos sujeitos lembraram de ter visto uma imagem da "causa" (saco rasgado) cujo efeito (compras derrubadas) fazia parte da apresentação original. A conclusão: a mente tem um impulso forte de inferir causas, podendo se enganar quanto àquilo que presenciou ou não.
Enfim, as memórias são construídas com base na realidade que as geraram, mas não se pode jurar que são representações corretas daquilo que verdadeiramente se passou. Uma vez realizada a gravação, o cérebro não tem meios de discernir as distorções da memória e então o indivíduo adquire uma história pessoal enviesada e passa a responder à vida nos moldes criados por sua própria percepção. Por mais que uma pessoa insista na exatidão de sua percepção, nunca se poderá determinar a perfeita correspondência entre os fatos em si mesmos e a memória de cada um sobre esses fatos.
Muitas pesquisas tratam do assunto "falsas memórias", como se existissem memórias falsas e verdadeiras. Se todas as memórias são construídas, como seria possível julgar que uma memória é falsa ou verdadeira? Segundo o neurofisiologista Iván Izquierdo, citado no Jornal do Brasil, 15 de julho, 2001. "A memória é reconstruída cada vez que é acionada". Informações externas que pertencem a outros momentos e outros contextos acabam se misturando ao conjunto de informação original. Practitioners de PNL usam movimentos oculares para identificar processos de pensamento. Dizemos que uma pessoa está acessando uma imagem lembrada, quando olha para cima e para à direita (supondo uma organização padrão) ou uma imagem construída, quando olha para cima e para à esquerda. Como tudo é um processo, seria mais fiel à epistemologia da PNL dizer que uma pessoa está LEMBRANDO uma memória que em algum momento foi CONSTRUÍDA. Ou ela está CONSTRUINDO no presente uma imagem que até pode ser arquivada e reacessada, posteriormente, como uma imagem LEMBRADA.
Como, então, podemos usar este conhecimento para nos liberarmos (ou nossos clientes) de memórias persistentes, limitantes e indesejadas? O segredo está na capacidade do cérebro regravar registros, desde que seja acessado o conjunto neuronal em que se encontra a gravação e se use a linguagem própria da mente para reformatar os blocos construidores da experiência. Impressões em fases sensíveis da vida podem se transformar em reimpressões, que resultam em uma nova memória, tão subjetiva quanto a primeira. Entendendo que toda memória é subjetiva, uma pessoa pode se permitir criar registros através dos quais se sinta mais amparada. Isto cria uma aprendizagem "retroativa", que proporciona soluções e inspiração para cultivar a vida que deseja ter. Dizem que a autorrealização de uma pessoa não depende daquilo que acontece com ela, mas vem do que a pessoa faz com aquilo que lhe aconteceu. Este fazer também significa se reprogramar. Hoje em dia isto se torna cada vez mais fácil porque estamos desvendando os mecanismos mentais que constroem nossa realidade, sendo a PNL um caminho de eficácia comprovada.
Artigo publicado no Golfinho Impresso Nº79 de Agosto/2001