Um salto de cabeça para baixo

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seg, 15/05/2000

Em 1998-1999, frequentei um curso na Anchor Point, sobre Dinâmica de Grupo e Apresentação, ministrado por Michael Grinder. Este artigo não é sobre o trabalho do Michael no curso, mas uma história sobre a mudança que esse curso provocou na minha vida. Eu poderia escrever um artigo sobre o instrutor maravilhoso que é Michael e, acredite-me, eu o tenho em conta de um dos melhores instrutores que já tive. Eu poderia escrever um artigo para cantar louvores ao curso e para contar como tenho usado seus ensinamentos desde que o fiz. Poderia. Mas este artigo não é sobre isso.

Este artigo é simplesmente sobre o que me aconteceu. Pode parecer pequeno na escala dos traumas da vida, mas foi o meu trauma.

Quando eu tinha apenas 13 anos de idade e a escola pública ainda oferecia aulas de natação, eu fui carregada pela multidão, pela classe, pela pressão da turma, e subi no trampolim mais alto. Eu já fizera o curso para iniciantes e o intermediário. Já estava no avançado, achando que nadava muito bem, portanto lá estava eu, oscilando ao vento, quando me lembrei, nessa hora tão inoportuna, que eu tinha pavor das alturas. Pavor!

Mais ou menos assim foi que cheguei para o curso do Michael. Eu tinha cursado o Practitioner, o Master, e Hipnose. Sentia-me bem à vontade com o sistema da Anchor Point, sabendo da profundidade e largura desse trampolim. Eu já havia até desenvolvido um processo pouco conhecido de PNL, que chamei de estratégia de banheiro de PNL, para quando me encontrasse desconfortável dentro de águas profundas. Sempre que um exercício na aula parecia muito intenso para mim, eu ia para o banheiro, até que o mesmo acabasse.

Assim, lá estava eu sentada, na primeira semana, completamente esquecida de que tinha pavor de falar em público. Petrificada. Arrepiada. Apresentar-me diante de grupos era tão difícil para mim que uma vez, ao atrasar-me para uma reunião na cidade, fiquei de fora, no saguão, por uma hora e meia, ouvindo, ao invés de entrar atrasada.

Eu havia esquecido.

Que hora inoportuna! Eu estava novamente sobre o alto trampolim.

Comecei a desembaraçar-me naquela semana, uma mudança interna lenta e total. O que estava fazendo naquele curso? Eu era uma artista, uma mãe, uma esposa. Estava louca? Não pude dizer a ninguém a razão pela qual eu estava naquela classe. Não tinha ideia do que ia fazer com o curso, após completá-lo. Eu não falava para grupos, não dirigia seminários, nem dava treinamento. Não pertencia a uma corporação. Conduzia meu pequeno negócio, pintando telhas. O que eu estava fazendo lá? Olhava para os outros estudantes, ouvia dizer quem eram eles, o que estavam fazendo, o que iam fazer, e percebia que a água estava boa para eles!

Quanto a mim, eu estava sobrecarregada e fora de minha profundidade. Estava patinando dentro d’água, com a cabeça mal fora dela, e rodeada de pessoas dentro da piscina com barcos infláveis. Eu não conseguia ver os lados da piscina para sair, e não tinha brinquedo inflável! Estava irremediavelmente sem ajuda e escorregando para o desespero. Todos os dias eu prometia a mim mesma que aquele seria o último, se eu tivesse a sorte de superá-lo. Eu estava enterrada nesse modo rasteiro de sobrevivência. Queria acabar com isso.

Todos nós sabemos que o Espírito tem uma maneira de conduzir cada um de nós no limite de nosso trampolim pessoal porque precisamos disso, levando-nos ao limite desses medos, para que possamos confrontá-los e tornar-nos fortes em relação a eles, fazendo-nos lembrar de que temos escolha.

Assim, lá estava eu, remando pela vida, sabendo que estava recebendo uma oportunidade de trabalhar esse medo, e sabendo, também, que estava piorando a cada dia. Eu chorava enquanto dirigia até o curso, e chorava novamente ao voltar para casa, todos os dias. Verdade. Sentia-me com 6 anos de idade. Sabia que estava reagindo a âncoras antigas. Eu sabia que precisava fazer um reimprint.

Eu queria desistir.

Uma noite, no jantar, meu filho de 13 anos falou: "Mãe, geralmente você gosta dessas aulas. Mas parece que você não está gostando desta vez. Por que você simplesmente não desiste?" Ele disse aquilo de repente, enquanto mastigava e engolia. Nem sequer olhou para mim. Disse-o de maneira casual, sem pensar muito. "Simplesmente desista", mas foi um daqueles momentos em que o tempo parece parar.

Engraçado, mas verdadeiro, por um instante eu fiz um ZOOM para o futuro e andei alternadamente por diversas linhas de tempo. Nós fornecemos um modelo de vida para nossos filhos em tantos níveis, e naquela hora eu compreendi que em algum momento do futuro meus filhos poderiam encontrar forças por terem me observado e à maneira como administrei minha própria situação pessoal difícil, ou poderiam usar isso como uma validação, para a vida toda, de desistir das coisas quando se tornassem difíceis.

E em outro ZOOM, eu retornei ao passado e lembrei-me de ter observado meu pai, já no fim de sua vida, quando ele detestava seu trabalho mas esforçava-se cada manhã para comparecer a ele. Ele abanava a cabeça, mas levantava-se e ia. Eu, então adolescente, tinha dito ao meu pai, uma manhã, durante o café: "Não entendo porque você não desiste disso, já que não gosta." Ah!

"A gente... não... desiste" disse ao meu filho, entre dentes. Ele continuou sem olhar para mim. Mastigava, mastigava ...

"Bem, por quê? Você não gosta." disse meu filho. E continuava mastigando.

Uau! As coisas acontecem realmente assim? De repente, eu era meu pai!

Nossos filhos são nossos grandes professores. Gosta? Desiste? Suas palavras ditas em voz alta mudaram meu ponto de vista. Eu sabia que eles estavam me olhando, e sabia, também, que já estava no palco. Minha audiência era pequena mas presente, e eles estavam observando o drama da mãe, arquivando-o para futura referência, assim como eu observei o meu pai.

Mas havia uma diferença. Meu pai não ganhou. Ele morreu. Jamais fez da situação uma aliada. Nunca triunfou. Jamais levou a lição a uma conclusão. O que aprendi dele? Aprendi a não desistir das coisas.

Eu rangi meus dentes. Sabia que devia deixá-los ver que a coisa estava difícil para mim, deixá-los ver-me lutar por ela, e depois alcançar o sucesso e sair, do outro lado, triunfante. Que outra chance eu tinha? Quem eu desejava que eles fossem, no mundo?

Ao ver-nos cair, eles aprendem uma lição. Ao ver-nos levantar e prosseguir, eles aprendem ainda mais. O modelo que oferecemos todos os dias é que os torna aquilo que são, e eu detestei saber que exatamente então, quando eu queria desistir, não podia me permitir fazê-lo. Eu tinha aprendido com meu pai, mas precisava fazer mais do que sobreviver.

A mudança acontece num momento, e aquele foi o momento. Meus objetivos e resultados do curso mudaram 180 graus. Embora a realização do curso sem interrompê-lo fosse o máximo, a sobrevivência era meu único pensamento; mas agora eu sabia que precisava não somente tratar desse medo, mas aprender a livrar-me dele.

Eu tivera tanta sorte por ter sido capaz de rodear-me de um maravilhoso pequeno grupo de estudo, e estava muito grata por tê-los ali, para mim. Juntos, trabalhamos sobre o material, abraçamos as lições e descobrimos nossas forças e fraquezas comuns. Eu fiquei chocada ao descobrir que, por mais polidos que me parecessem, eles também lutavam com dúvidas sobre si próprios. Se eles podiam cair, era normal para mim cair também. Se eles lideravam, eu segui, e aprendíamos juntos. Nós brincávamos, errávamos e ríamos. Quando começamos a fazer o script de enredos e vídeos de nós mesmos, eu vi que tudo poderia ser muito divertido.

Minha visão interior também havia mudado. Onde a água costumava ser cinza, agora era azul, e onde todos tinham sua própria bóia menos eu, agora estávamos juntos nos mesmos barcos infláveis. Eu ainda não estava no trampolim alto, mas estava numa barcaça muito mais equilibrada do que jamais estive.

Comecei a aplicar as lições semanais do curso à minha vida, e já que não falava em público diante de grandes grupos, como faziam meus colegas de turma, eu apliquei as lições em minhas relações de família e com os empregados. Pratiquei como solicitante por telefone, com os empregados e com atendentes de pedágio. Mudava minha voz com os familiares e ensinei-lhes a reconhecer sinais não verbais e, melhor ainda, eu mesma os usei. Compreendi o valor de um sussurro, de uma pausa, e quando NÃO fazer contato visual.

Lentamente, minhas aulas de arte para jovens de segundo grau ficaram mais interessantes. Comecei a entrar na sala de aula com mais prazer, e tendo meu exterior em sintonia com meu estado interior.

Michael nos passou um grande volume de material, sempre útil e necessário para o todo, e levou-nos a adquirir muitas habilidades. Não diria que sou mestra nessas habilidades porque a maestria só nos vem através do uso, e não sou uma apresentadora. Mas compreendo.

Desenvolvi um bom conjunto de habilidades de calibragem, e posso ver e perceber as coisas tão bem que meus filhos pensam que tenho mais de dois olhos. Muito útil!

Eu jamais imaginara necessitar da habilidade de falar em público, mas o Espírito sabe onde estamos indo, antes que o façamos. Eu tive a oportunidade de realizar duas cerimônias de casamento este ano, diante de mais de 200 pessoas de cada vez.

Eu gostaria de dizer-lhes que quando chegou meu grande momento e eu entrei em cena no primeiro casamento, senti-me a própria epítome da calma, com um sorriso sereno em meus lábios.

Ah! ali estava eu, naquele alto trampolim novamente!

Havia um sorriso em minha face, mas minha boca estava tão seca que pensei ter meus lábios colados. Eu rezava e pedia a Deus. "Por favor, Senhor, não me deixe tropeçar, não me deixe fazer um papel de boba!" Por que eu havia dito sim a esse compromisso? Eu poderia arruinar o dia mais importante das vidas desses noivos, diante de 200 pessoas. Não havia pressão.

Mas usei essas habilidades de modo que treinei e treinei, e quanto chegou o momento, eu fiz o que havia treinado. Fiz as pausas nos momentos planejados, mostrando-me inteligente e controlada, embora essas pausas fossem uma agonia. Mantive meu tom de voz forte e convincente, respirando lentamente e mantendo-me em equilíbrio.

Eu consegui. Imagine minha surpresa ao descobrir que estava salva dentro da água. Finalmente, não havia morrido. Recebi cumprimentos e, maravilha das maravilhas, as pessoas me disseram o quanto eu estive bem. Eu fiquei surpresa!

Para mim, no entanto, a magia chegou com o segundo casamento, e o noivo, nervoso, aproximou-se de mim na hora de iniciar, e perguntou: "Você está nervosa?" e depois, sem qualquer pausa, continuou : "Não, você nunca fica nervosa, não é?" e sorriu! Uau! O segundo casamento foi um verdadeiro prazer e eu pude realmente gozar da felicidade de partilhar aquele dia especial com eles. Jamais pensara em ser capaz de realizar essas cerimônias, mas fui! Eu!

A oportunidade de modelar o medo, a falha, e por fim o sucesso diante de meus filhos foi um presente que não tem preço, e vencer meus próprios medos foi um prêmio por ter feito o curso com um mestre que realmente se interessa pelo crescimento de seus alunos. Talvez eu jamais consiga apresentar algo numa sala cheia de gente, posso não fazer nada mais do que lecionar para estudantes de segundo grau ou do curso elementar, ou de interagir com minha família e meus amigos, mas é muito bom saber que quando for chamada à frente eu tenho as ferramentas para poder fazer uma escolha.

Sinto-me mais forte por ter enfrentado essa dificuldade interior e por tê-la vencido. Agora sei que não existe estratégia de banheiro na PNL, pois não podemos esconder-nos de nossas lições ou de nossos medos. Eles nos encontram! Como mãe, mudei minha linguagem para com meus filhos. Eu costumava dizer: "Não desistam", ensinando-lhes tenacidade a todo custo.

Agora, eu digo: "Qual é seu caminho para o triunfo?" Trata-se de um mundo diferente.

Publicado na revista Anchor Point, Fevereiro de 2000
Golfinho Impresso nº63 abril/2000
Trad. Hélia Cadore
Revisão: Maria Helena Lorentz

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